Alimentos devem ser concedidos em caso de real necessidade




Uma sentença esclarecedora foi publicada hoje que ajuda a que compreendamos que no Brasil se faz justiça.




O juízo da causa entendeu que a ação era improcedente porque o requerente não reunia os requisitos necessários para a concessão de alimentos, a saber: o trinômio proporcionalidade, necessidade e possibilidade...
Leia a decisão integral para conhecimento, tendo sido retirados os dados das partes para a preservação do sigilo.
--------

S E N T E N Ç A


Trata-se de AÇÃO DE ALIMENTOS ajuizada por XXXXX, à época menor de idade, em face de XXXXXX, XXXX e XXXXXXXXXXX, partes devidamente qualificadas na exordial, colacionando os documentos de fls. 09-24.


Em síntese, a requerente informa que seu pai faleceu em 10/05/20XX e sua genitora não tem condições de custear suas despesas, por isso propôs esta ação em face dos irmãos requeridos. Juntou documentos de fls. 10-24.


Decisão fixando alimentos provisórios em 30% sobre o salário mínimo (fls. 30).


Contestação às fls. 117-133 para suscitar preliminares de inépcia da inicial e ilegitimidade passiva. No mérito, postula a improcedência da ação, porque a autora tem condições suficientes de sustento próprio. Réplica à contestação (fls. 177-180).


Termo de audiência infrutífera (fls. 219).


Agravo de instrumento provido para cassar a decisão dos alimentos provisórios (fls. 235-237).


Termo de depoimento de testemunha e dos requeridos (fls. 249 e 311-315). É o relatório.


O feito encontra-se em ordem, tendo sido instruído com observância dos ditames legais inerentes à espécie, de sorte que nos autos constam elementos suficientes para resolução da controvérsia. Inicialmente cumpre observar que a autora já alcançou a maioridade civil, logo, deve pleitear em nome próprio o direito reivindicado na ação. Seria o caso de determinar sua intimação para regularizar o polo ativo. Porém, em homenagem ao princípio da primazia da resolução do mérito (arts. 4º, 139, IX, 282, § 2º, 317, 319, §§ 2º e 3º, 321 e 488, todos do NCPC), os vícios formais e irregularidades de representação não podem servir de obstáculos à resolução da lide, sobretudo quando não gerar prejuízo às partes. Porém, caso a autora pretenda postular nos autos qualquer providência ou interpor recursos, deverá previamente regularizar sua representação. Para avançar ao mérito, rejeito as preliminares suscitadas em contestação. Primeiro, os documentos essenciais à propositura da demanda acompanham a inicial. A alegada falta de prova da necessidade de alimentos da requerente é questão de mérito. Segundo, os contestantes são parte legítima nesta ação, pois são irmãos da requerente, legitimidade conferida pelo art. 1.694 do Código Civil. No mérito, o cerne da questão cinge-se analisar se estão presentes os critérios legais para a fixação da pensão alimentícia postulada pela autora em face dos irmãos requeridos. É certo que a legislação pátria permite o arbitramento de alimentos entre irmãos, a saber: Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais (Código Civil). Da simples leitura, infere-se que há uma ordem sucessiva na obrigação do chamamento à responsabilidade de prestar alimentos, sendo ela primeiramente dos ascendentes, depois dos descendentes e, na falta destes, dos irmãos. Além de observar essa ordem, a pensão alimentar deverá, ainda, ser fixada nos parâmetros do trinômio proporcionalidade, necessidade e possibilidade, norteador das obrigações dessa natureza, como preconiza o art. 1.694, § 1º, e art. 1.695, ambos do mesmo Diploma legal. Segundo as provas produzidas nesta ação, a improcedência da demanda é manifesta. Os alimentos que se pleiteia em face dos irmãos são aqueles necessários para se garantir ao parente em situação de abandono material condições mínima de vida digna, em homenagem ao princípio da solidariedade familiar. Na espécie, porém, a autora ganha melhor do que muitos trabalhadores neste País, inclusive melhor do que milhares de agricultores aposentados que sobrevivem com apenas um salário mínimo. A autora, agora maior de idade, além de poder trabalhar para sua própria subsistência, recebe parte de pensão por morte, valor razoavelmente considerável que já lhe permite custear as despesas básicas comuns a qualquer jovem em sua faixa etária. Não bastasse, a sua mãe ainda está viva e, portanto, pode (deve) ajudar a filha, pois pela lei a obrigação alimentar cabe primeiro aos ascendentes. Nada nos autos ampara a pretensão de estender a obrigação aos irmãos. Importante salientar, ainda, que a obrigação alimentícia entre irmãos é apenas cabível quando há provas contundentes de que os ascendentes não podem auxiliar no sustento daquele que pleiteia alimentos, o que não ocorreu nesta hipótese. Ao contrário, além de haver provas da capacidade própria de sustento, a genitora da requerente, primeira obrigada (e não se trata de obrigação solidária) tem condições de auxiliar a filha, seja com o trabalho remunerado ou outra fonte lícita de renda. Além disso, antes de ingressar contra os irmãos, deveria demandar em face dos ascendentes, como mãe e avós. O fato é que a autora não necessita de assistência financeira dos irmãos. Tanto é verdade que, passados mais de 3 anos desde a postulação inicial, a requerente não trouxe aos autos prova de que nesse período tenha passado por dificuldades extremas. Aparentemente, a autora está viva, alimentada, mora em uma casa, tem roupas, calçados, materiais escolares, enfim, vive em condições de dignidade humana, ainda que não tenha dinheiro o bastante para satisfazer a todos os seus interesses e desejos. Além de a Autora poder trabalhar para seu próprio sustento e contar com a genitora para lhe ajudar, ainda é titular de benefício previdenciário superior a R $ 2.000,00 (dois mil reais) mensais, recebeu R$ 36.512,29 como seguro de vida (fls. 239) e ainda pode receber parte da herança do falecido pai (retificação de partilha nº XXXXXXXXXXXXX). Noutro giro, a análise detida dos autos não nos permite concluir na ampla possibilidade dos requeridos em prover os alimentos, inclusive no quantum pleiteado, ao contrário do que insiste a requerente em suas razões. Cada um dos réus tem seus núcleos familiares, suas dificuldades e seus desafios diários. Nenhum dos requeridos é rico, nem ostenta vida fácil. E mesmo que fossem bilionários, a fixação de alimentos não se resume na capacidade financeira contra quem se pleiteia, devendo ser conjugada com a necessidade de quem requer. É muito frequente nas ações de alimentos o postulante esgotar seus argumentos na tentativa de mostrar que o requerido tem condições de pagar pensão, esquecendo da indispensável prova da necessidade dos alimentos postulados. Tendo todo o cenário fático-probatório, em que a autora é maior de idade, recebe pensão de valor razoável, pode trabalhar, não vive em condições de miserabilidade, mora com sua genitora, a primeira obrigada nessa relação obrigacional de alimentos, e sem perder de vista que a verba alimentícia fixada em prol de irmão decorre do dever de solidariedade das relações familiares, a improcedência da ação é medida de justiça que se impõe.





ANTE O EXPOSTO, afasto as preliminares e, no mérito, julgo improcedente da demanda, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Condeno a autora nas despesas processuais, bem como em honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Contudo, sendo beneficiária da Justiça Gratuita, com espeque no art. 98, caput, do CPC, fica a obrigação sob condição suspensiva de exigibilidade (art. 98, §§ 2º e 3º, Idem). Publique-se, Registre- se e Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. XXXXXX/PA, 17 de outubro de 2017.